
Biblioteca Maria Helena
Escola Classe Sítio das Araucárias
Zona rural de Sobradinho
Biblioteca Maria Helena
Escola Classe Sítio das Araucárias
Zona rural de Sobradinho
Biblioteca Maria Helena
Escola Classe Sítio das Araucárias
Zona rural de Sobradinho
Biblioteca Maria Helena
Escola Classe Sítio das Araucárias
Zona rural de Sobradinho
Que a coisa tá feia
Por terras alheia
Nós vamo vagar
Meu Deus, meu Deus
Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Cá pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar
(Triste partida, Patativa do Assaré)
Hora de ler o mundo
Logo na saída norte de Brasília, a vinte quilômetros do Plano Piloto, há um tesouro turístico pouco conhecido: a Rota do Cavalo, área de chácaras e haras bem-cuidados que atraem amantes do hipismo e da criação dos elegantes animais.
No Km 13 da rota avista-se a pequena e acolhedora Escola Classe Sítio das Araucárias. Lá dentro as crianças encontram outro tesouro, que nem precisam dividir com os turistas – a Biblioteca Maria Helena.
Batizada em homenagem a uma das moradoras que mais batalhou pela criação da escola, a biblioteca abriu em 2010 e virou a única porta de acesso à cultura e ao lazer para os alunos, que carregam em suas histórias a dura sina cantada pelo poeta cearense Patativa do Assaré.
“A maioria dos nossos estudantes vive em situação de vulnerabilidade. Acreditamos que a única forma de ajudar a melhorar a situação deles é por meio da educação”, diz a professora Luzinete Ribeiro de Souza Rodrigues.
O pontapé inicial foi o projeto Melhor Leitor. “Queremos criar em nossos alunos o prazer pela leitura, enriquecer seu vocabulário, melhorar o seu desempenho e evitar que abandonem a escola. Mas nosso objetivo vai além”, adianta Luzinete.
O melhor leitor, explica a professora, não é o que lê o maior número de livros, mas o que demonstra por escrito e oralmente que entendeu o que leu. Assim, ele estará apto a se transformar em cidadão que questiona a sua realidade e trabalha para mudá-la.
Na escola, filhos de caseiros e de pequenos produtores rurais estreitam afetos com colegas de realidades distintas, como os que moram no abrigo Lar Jesus Menino, no condomínio Serra Verde, nos acampamentos da comunidade cigana Calón e do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST).
Há alunos também do Nova Colina, uma área em torno de 700 mil metros quadrados ocupada por cerca de 600 famílias do Movimento Frente Nacional de Luta Campo e Cidade. Pessoas que ali fincaram barracas e construções precárias na esperança de se livrar da sina de vagar por terras alheias.
Enquanto o movimento luta pelo pedaço de chão, o sonho de transformar pela educação mobiliza a escola. Grande parte das crianças apresenta dificuldades de linguagem e problemas emocionais. “A maioria está em situação de risco e falta muito”, revela a coordenadora Kelly de Farias Souza.
A equipe se une para manter a chama acesa. A criatividade dos profissionais, diz Kelly, “faz a diferença para transformar essas dificuldades em possibilidades.” Depois que o projeto Bibliotecas do Saber entregou o espaço organizado da leitura, essas possibilidades ganharam outra dimensão, analisa a diretora Evaide Flores Campos.
“Observamos um movimento diferente entre os alunos, um interesse grande em pegar outros livros quando eles devolvem o que levaram para ler. A melhoria do desempenho deles na sala de aula também chama a atenção”, diz Evaide.
As crianças da região não têm chances de frequentar um cinema, teatro ou outras atividades culturais. No acervo cuidadosamente organizado pela professora Luzinete, elas passaram a encontrar oportunidades de “viajar”, adquirir outros conhecimentos.
“Os livros permitem ir além do conteúdo escolar, abrem novas possibilidades. É a forma que eles têm de se socializarem”, reconhece Evaide, que recorre a parcerias para vencer as limitações que a crônica falta de recursos impõe à escola. As verbas são escassas. “Temos que fazer campanhas, vivemos de pedir”, resume a diretora.
Pequenos cuidados
“A biblioteca me ajuda, é muito importante pra mim”, diz o menino cigano da etnia calón Daniel da Silva Rocha, de onze anos. Ele não hesita em apontar o livro de que mais gostou: Bruxa Onilda vai à festa.
Aquele espaço cheio de livros organizados nas estantes é a única possibilidade de acesso à leitura que os pequenos ciganos e os coleguinhas que moram nos acampamentos dos Sem-Teto e Sem-Terra têm ao seu alcance.
Para José Maicon, de doze anos, que vive no acampamento do MST, a biblioteca traduz o sonho de aprender a ler como os outros alunos e vencer a dificuldade de se expressar. “O livro é cultura”, diz ele, baixinho e olhando para baixo.
Morador de uma chácara vizinha, Henrique Ferreira Santos, de oito anos, vence a forte timidez e decide falar sobre o livro preferido, Os filhotes do vovô coruja: “Já li cinco vezes”, conta, sob o olhar surpreso dos colegas. A história desperta a saudade do avô materno, que já não está mais entre eles.
O carinho da equipe pelas crianças chama a atenção. O sentimento se evidencia no olhar e na forma acolhedora como todos se dirigem aos alunos. A resposta vem na forma solidária e protetora como as crianças mais velhas tratam as menores.
Moradora, com uma irmã de sete anos, do abrigo Lar Jesus Menino, que cuida de crianças em situação de risco, a menina M. S., de onze anos, lê com atenção para os pequenos, na biblioteca. Repete, cuidadosamente, os gestos que aprendeu com a professora: fazer uma pausa a cada página lida e mostrar o conteúdo para a turma.
Na Biblioteca Maria Helena, a rotina de pequenos cuidados mostra o seu poder na vida das crianças. Cada uma recebe uma sacolinha personalizada, com o seu nome bordado por Luzinete, especialmente para levar o livro para casa. O simples e delicado gesto de atenção reforça a auto-estima do aluno, valoriza a retirada do livro e estimula o cuidado que eles devem observar até devolver e pegar outro.
