
Biblioteca da Família
Escola Classe Cariru
Núcleo Rural Cariru, Paranoá
Biblioteca da Família
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Núcleo Rural Cariru, Paranoá
Biblioteca da Família
Escola Classe Cariru
Núcleo Rural Cariru, Paranoá
Biblioteca da Família
Escola Classe Cariru
Núcleo Rural Cariru, Paranoá
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…
E vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
Se saio correndo ou fico tranquilo.
Mas não consegui entender ainda
Qual é melhor: se é isto ou aquilo.
(Ou isto ou aquilo, Cecília Meireles)
Pegar, sentir, reinventar
A dúvida imortalizada por Cecília Meireles em um dos seus poemas mais declamados passa longe do sorriso de Stefanie Martins dos Santos, dez anos de idade, quando ouve a repentina pergunta: “O que é melhor, o computador ou o livro?”
Muito à vontade entre as prateleiras da Biblioteca da Família, o espaço mais concorrido da Escola Classe Cariru, na área rural do Paranoá, a menina não titubeia.
“Ah, é o livro! Faz muita diferença poder pegar, sentir. Na tela do computador isso não acontece”, continua. “O livro você pega, lê, relê, pode até mudar a história. Do jeito que acontece em O velho pássaro da lua.”
O livro foi o que mais empolgou os seus colegas de turma naquele semestre. Ele traz a história de uma criança muito pobre, que um belo dia ganhou um livro de uma professora.
“Aquele menino nunca teve nada. Ele ficou tão feliz que começou a ler e quando acabou, leu de novo, e todos os dias lia mais um pouco”, conta Stefanie. “E releu tanto que as folhas foram se gastando com o tempo. A casa tinha goteiras, e quando chovia costumava molhar as páginas. Então as letras foram se apagando.”
“Ele deu um jeito muito engraçado. Começou a escrever em cima das letras apagadas, mas como não dava para enxergar e copiar o que tinha antes ele foi mudando tudo, inventou uma nova história”, prossegue Stefanie. “O livro mudou a vida dele. Acabou virando um grande escritor, e esse era o maior sonho dele.”
Uma ferramenta extra
Com a história de O velho pássaro da lua, o autor Antonio Barreto constrói uma delicada ponte entre a imaginação e o conhecimento e mostra como o livro pode transformar a vida das pessoas. A obra conquistou o interesse das crianças e se multiplicou em atividades associadas às outras disciplinas, aliando o prazer da leitura ao reforço na aprendizagem.
É a esse e a muitos outros livros que a professora Cláudia Fernanda de Oliveira Wagner recorre, na ampla bibioteca inaugurada em outubro de 2008 pelo projeto Bibliotecas do Saber. Da evolução das habilidades motoras à construção de valores ou à compreensão de questões matemáticas, tudo ganha uma ferramenta extra quando o livro entra em cena.
Com um diploma recém-conquistado de capacitação para atender alunos especiais, mas sem recursos pedagógicos suficientes nem local disponível, Cláudia usou o novo espaço. “A biblioteca me acolheu. Olhei o montão de livros e pensei: é aqui; o recurso são os livros. Os meninos não sabiam ler e decidi partir para a poesia.”
Cláudia ousou na escolha e estreou com poemas de Fernando Pessoa. A viagem literária para desenvolver a expressão oral e o controle motor dos pequenos superou as expectativas. O avanço no processo de memorização foi compensador. “Fiz uma série de vídeos com elas, que assim podiam acompanhar o próprio progresso, que foi muito expressivo”, explica.
“Os livros ajudam os pequenos a compreender o mundo em que vivem, como aconteceu quando leram Os miseráveis”, relata Cláudia. Os alunos enriqueceram o vocabulário, construíram dicionários e vestiram trajes característicos da época para encenar a história, que os professores contextualizaram, comparando com os movimentos de reivindicação por uma vida melhor e mais justa no Brasil.
A riqueza do acervo também contribui para ampliar o horizonte dos professores na elaboração de projetos pedagógicos. Com a possibilidade de aprofundar as fontes de pesquisa, a escola conquistou o primeiro lugar, entre as escolas públicas da região do Paranoá, do projeto Os insetos e eu. “O livro é uma ferramenta excepcional”, comemora Cláudia.
Noção de pertencimento
A biblioteca chegou 37 anos depois que os moradores se mobilizaram para conseguir uma escola. A Escola Classe Cariru abriu as portas pela primeira vez em 1971, para receber 45 alunos do ensino fundamental. Quando criou as primeiras turmas de educação infantil, em 2006, a escola já havia começado a receber crianças dos núcleos vizinhos, triplicando o número inicial de alunos.
O sonho da educação integral e do ônibus escolar para garantir o transporte dos alunos só começou a virar realidade em 2010. Era o resultado da luta da comunidade para evitar que as crianças abandonassem os estudos, um risco permanente agravado pela situação econômica precária das famílias e pelos longos percursos entre a casa e a sala de aula.
O tempo integral na escola faz parte da proposta de aumentar a autonomia dos alunos frente à realidade que enfrentam, explica a diretora Edilene Ferreira de Oliveira. A implantação da biblioteca como espaço organizado era o instrumento que faltava para garantir o sucesso da transição de horário. “Mudou tudo”, avalia Edilene.
O espaço reforçou o vínculo entre a escola, as famílias e os alunos, e deu possibilidades de trabalhar atitudes, valores e noções de responsabilidade e respeito a partir da leitura e dos cuidados com os livros, reconhece a vice-diretora Semíramis Melo de Lima.
Para ela, o conceito de biblioteca faz toda a diferença no processo educativo. “Quando os livros foram para as prateleiras as crianças começaram a ter noção de acervo, a ver a dimensão do que uma biblioteca lhes permite acessar como ferramenta de pesquisa e de estudo”, afirma.
A Biblioteca da Família também construiu, junto à comunidade, uma forte noção de pertencimento. O sentimento ficou evidente após um temporal que arrancou o telhado da sala. Famílias inteiras chegaram lá rapidamente.
“Todos correram para tirar os livros, preocupados em não deixar perder tudo aquilo. Naquele momento, percebemos o tamanho do valor daquele espaço”, relembra a diretora.
“Vê-se a importância que a biblioteca ganhou. Nem se cogita, na comunidade, abrir mão desse espaço para garantir mais uma sala de aula. Ele é uma porta que ficará aberta sempre”, garante Edilene.
